A pior coisa do mundo é a pessoa não ter
coragem na vida.” Pincei essa frase do relato de uma moça chamada Florescelia,
nascida no Ceará e que passou (e vem passando) poucas e boas: a morte da mãe
quando tinha dois anos, uma madrasta cruel, uma gravidez prematura, a perda do
único homem que amou, uma vida sem porto fixo, sem emprego fixo, mas sonhos
diversos, que lhe servem de sustentação.
Ela segue em frente porque tem o combustível
que necessitamos para trilhar o longo caminho desde o nascimento até a morte.
Coragem.
Quando eu era pequena, achava que coragem era o
sentimento que designava o ímpeto de fazer coisas perigosas, e por perigoso eu
entendia, por exemplo, andar de tobogã, aquela rampa alta e ondulada em que a
gente descia sentada sobre um saco de algodão ou coisa parecida.
Por volta dos nove anos, decidi descer o
tobogã, mas na hora H, amarelei. Faltou coragem. Assim como faltou também no dia
em que meus pais resolveram ir até a Ilha dos Lobos, em Torres, num barco de
pescador. No momento de subir no barco, desisti. Foram meu pai, minha mãe, meu
irmão, e eu retornei sozinha, caminhando pela praia, até a casa da vó.
Muita coragem me faltou na infância: até para
colar durante as provas eu ficava nervosa. Mentir para pai e mãe, nem pensar. Ir
de bicicleta até ruas muito distantes de casa, não me atrevia. Travada desse
jeito, desconfiava que meu futuro seria bem diferente do das minhas
amigas.
Até que cresci e segui medrosa para andar de
helicóptero, escalar vulcões, descer corredeiras d’água. No entanto, aos poucos
fui descobrindo que mais importante do que ter coragem para aventuras de fim de
semana, era ter coragem para aventuras mais definitivas, como a de mudar o rumo
da minha vida se preciso fosse. Enfrentar helicópteros, vulcões, corredeiras e
tobogãs exige apenas que tenhamos um bom relacionamento com a adrenalina.
Coragem, mesmo, é preciso para terminar um
relacionamento, trocar de profissão, abandonar um país que não atende nossos
anseios, dizer não para propostas lucrativas porém vampirescas, optar por um
caminho diferente do da boiada, confiar mais na intuição do que em estatísticas,
arriscar-se a decepções para conhecer o que existe do outro lado da vida
convencional. E, principalmente, coragem para enfrentar a própria solidão e
descobrir o quanto ela fortalece o ser humano.
Não subi no barco quando criança – e não gosto
de barcos até hoje. Vi minha família sair em expedição pelo mar e voltei sozinha
pela praia, uma criança ainda, caminhando em meio ao povo, acreditando que era
medrosa. Mas o que parecia medo era a coragem me dando as boas-vindas, me
acompanhando naquele recuo solitário, quando aprendi que toda escolha requer
ousadia.
Martha Medeiros
ZH do dia
17/06/2012
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