Gosto de histórias de superação, de gente. Hoje vou falar da Maria Clara Vilela e da Letícia, duas guerreiras sobreviventes do incêndio do Condomínio Sunset Boulevart, em Cuiabá, na semana passada. Maria Clara mora no último andar e naquele dia, ao contrário de todos os outros, não deixou o celular no silencioso. E poucos dias antes passou o número do celular dela para uma vizinha.
O relato emocionante de Maria Clara é um presente para reflexão profunda do que é a vida e o que realmente tem valor. Não me canso de lembrar das mãos fofas da Letícia, guiadas tão bem por Deus e pela mamãe Maria Clara. Me orgulho dessa família, gente do mais alto valor.
"Dia 14 de outubro de 2014. Dormíamos profundamente quando a
energia acabou deixando à mostra a madrugada quente quase normal de Cuiabá.
Acordei com calor. Letícia não acordou, anjo não sente calor. Revirei na cama
algumas vezes, voltei a dormir profundamente, também sou filha de Deus. Algum
tempo depois, ou nenhum, fui surpreendentemente acordada pelo toque feio do
celular.
Atendi sem surpresa,
maldizendo a hora anterior em que havia tirado do silenvioso, pois sabia que
seria um suposto filho sequestrado prestes a ter a orelha cortada pelo
sequestrador hospedado em algum presídio de segurança máxima, quando rolou o
breve diálogo : - MARIA CLARA, É Adazeli VOCÊ ESTÁ ONDE, EMBAIXO? -
AHNNNN?????!!!!! - ENTÃO DESCE, QUE O PRÉDIO TÁ PEGANDO FOGO!!!! . Momento de
terror n. 1. Pulei da cama, Leticia já estava pulando, confusa. Disse que
devíamos descer logo, passei a mão num vestido herdado do tempo da núltima
gravidez que estava à vista e corremos para a porta da cozinha com a Leticia já
perguntando se levaríamos a Khloe.
Sim, ela também. Abri a porta e nos
deparamos com a fumaça que já queria entrar sem se anunciar.
Momento de terror n. 2. Puxei Leticia pela mãozinha que
carregava em seu pequeno colo a pesada Khloe e avançamos a fumaça preguiçosa
adentro. Atingimos a porta corta fogo ( só corta o fogo!), passamos o hall do
elevador de serviço e saímos por outra porta que só corta fogo e nos deparamos
com o topo da extensa escadaria dos 23 andares, coberta pela já não tão calma e
preguiçosa fumaça. Momento de terror n. 3 e que nos acompanhou pela longa
jornada pela sobrevivência . Alguns degraus abaixo, Khloe agitada e com medo,
Leticia parou e pediu ajuda para levá-la.
Não, pensei, não conseguiremos ser rápidas se a levarmos no
colo! Disse para soltá-la que nos seguiria sem dúvida. Leticua relutou, mas
dei-lhe um puxão então seguimos chamando pala Khloe, que não nos acompanhou.
Corremos, Leticia caia, tropeçava, sua mãozinha era quase quebrada pela minha,
os corrimões orientavam nossa descida desesperada. A todo momento eu não sabia
o que encontraríamos no próximo lance de escadas. A fumaça já não nos acolhia
terna, estava mais densa, irritava nossos narizes, passei então a engolir o ar
pesado. Não víamos os números, não sabíamos o quanto havíamos percorrido,
apenas corríamos. Ao longe ouvia uma criança choramingo e a voz de um homem
.
A certa altura,
provavelmente no 12, encontramos três bombeiros subindo pesadamente as escadas.
Não senti alívio, sabia que ainda não estava terminado. Passaram por nós
dizendo que poderíamos descer com calma pois não havia mais fumaça. Não, não
diminuímos o ritmo. Em seguida passamos pelo síndico do prédio subindo como um
zumbi. Até que chegamos ao térreo , algumas dezenas de metros depois nos
surpreendemos ao ver todos os moradores embaixo olhando para cima, acenando e
gritando para que todos descessem.
Era o alarme de
incêndio que doava das bocas de quem havia passado pelo que passamos.
Encontramos as pessoas, procurei por conhecidos, pisávamos descalças o asfalto
quente . Não encontrei a Adazeli Oliveira que
nos salvou. Próximos capítulos à noite, tenho que mexer o doce, o mundo não
parou de girar.
.. E para finalizar o relato anterior, eis o que se sucedeu.
Leticia reclamava a perda de sua fiel escudeira, como costuma se referir, então
sugeri que no sentássemos a lado do portão do prédio para que a Khloe nos
encontrasse com facilidade em meio ao tumulto. Minutos depois a brava Khloe
chegou, cheirando os diversos pés até que nos reencontrou. Alívio, nossa mini
família estava reunida. Letícia não a largou mais. Adazeli Oliveira e sua família foram resgatados muitas horas depois por meio da
escada Magirus, sãos e salvos.
Outras
famílias ainda permaneceram aspirando a fumaça tóxica, alguns refugiados no
banheiro, varanda, janelas, até serem resgatados, alguns desceram de rapel,
magirus, helicóptero. Ontem, diversas pessoas procuravam hospitais, inclusive
eu. No PA fui informada que estou com pneumonia. Há quem diga que não, ainda
sob investigação. Menos mal. Mas por tudo.... Obrigada Deus pelas vidas
preservadas. Obrigada Adazeli por ter dado ouvidos à voz de Deus. Obrigada
Leticia por ter confiado cegamente sua vida a mim, por não ter chorado,
relutado. Apenas me estendeu sua mãozinha e se deixou guiar.
Obrigada aos valentes homens do Corpo de
Bombeiros que deram a vida e saúde para salvar nossas vidas! Obrigada aos
AMIGOS de trabalho da Justiça Federal de Mato Grosso Loani
Torres,Dovair
Carmona Cogo, Julyana, Laura
Moraes, MM VCPG, pelo pronto e irrestrito apoio financeiro,
emocional, estratégico e logístico.
ObrigadaJorenice
Ribeiro pela carinhosa, pronta, segura e confortável (e
sem ônus?????) acolhida. Disso tudo tirei algumas conclusões, as quais enumero
aleatoriamente: 1) nunca, jamais, em hipótese alguma, durma com roupa velha por
ser confortável !!!!!!! 2) nunca, jamais, reutilize a roupa da última
gravidez!!!! 3) durma com os ouvidos abertos e o celular ligado! 4) não compre
imóvel da Plaenge confiando na ética, seriedade e profissionalismo da empresa.
Por fora bela viola, por dentro pão bolorento! 4) você só precisa de uma
legging preta no seu guarda roupas! 4) devemos repensar nossas prioridades e 5)
os empresários não podem continuar buscando lucros à custa de vidas” – Maria Clara
Vilela – 17.10.2014
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