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segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A vida é uma fumaça. Relato emocionante da sobrevivente Maria Clara.

Gosto de histórias de superação, de gente. Hoje vou falar da Maria Clara Vilela e da Letícia, duas guerreiras sobreviventes do incêndio do Condomínio Sunset Boulevart, em Cuiabá, na semana passada. Maria Clara mora no último andar e naquele dia, ao contrário de todos os outros, não deixou o celular no silencioso. E poucos dias antes passou o número do celular dela para uma vizinha. 

O relato emocionante de Maria Clara é um presente para reflexão profunda do que é a vida e o que realmente tem valor. Não me canso de lembrar das mãos fofas da Letícia, guiadas tão bem por Deus e pela mamãe Maria Clara. Me orgulho dessa família, gente do mais alto valor.



"Dia 14 de outubro de 2014. Dormíamos profundamente quando a energia acabou deixando à mostra a madrugada quente quase normal de Cuiabá. Acordei com calor. Letícia não acordou, anjo não sente calor. Revirei na cama algumas vezes, voltei a dormir profundamente, também sou filha de Deus. Algum tempo depois, ou nenhum, fui surpreendentemente acordada pelo toque feio do celular.

 Atendi sem surpresa, maldizendo a hora anterior em que havia tirado do silenvioso, pois sabia que seria um suposto filho sequestrado prestes a ter a orelha cortada pelo sequestrador hospedado em algum presídio de segurança máxima, quando rolou o breve diálogo : - MARIA CLARA, É Adazeli VOCÊ ESTÁ ONDE, EMBAIXO? - AHNNNN?????!!!!! - ENTÃO DESCE, QUE O PRÉDIO TÁ PEGANDO FOGO!!!! . Momento de terror n. 1. Pulei da cama, Leticia já estava pulando, confusa. Disse que devíamos descer logo, passei a mão num vestido herdado do tempo da núltima gravidez que estava à vista e corremos para a porta da cozinha com a Leticia já perguntando se levaríamos a Khloe. 
Sim, ela também. Abri a porta e nos deparamos com a fumaça que já queria entrar sem se anunciar.

Momento de terror n. 2. Puxei Leticia pela mãozinha que carregava em seu pequeno colo a pesada Khloe e avançamos a fumaça preguiçosa adentro. Atingimos a porta corta fogo ( só corta o fogo!), passamos o hall do elevador de serviço e saímos por outra porta que só corta fogo e nos deparamos com o topo da extensa escadaria dos 23 andares, coberta pela já não tão calma e preguiçosa fumaça. Momento de terror n. 3 e que nos acompanhou pela longa jornada pela sobrevivência . Alguns degraus abaixo, Khloe agitada e com medo, Leticia parou e pediu ajuda para levá-la.

Não, pensei, não conseguiremos ser rápidas se a levarmos no colo! Disse para soltá-la que nos seguiria sem dúvida. Leticua relutou, mas dei-lhe um puxão então seguimos chamando pala Khloe, que não nos acompanhou. Corremos, Leticia caia, tropeçava, sua mãozinha era quase quebrada pela minha, os corrimões orientavam nossa descida desesperada. A todo momento eu não sabia o que encontraríamos no próximo lance de escadas. A fumaça já não nos acolhia terna, estava mais densa, irritava nossos narizes, passei então a engolir o ar pesado. Não víamos os números, não sabíamos o quanto havíamos percorrido, apenas corríamos. Ao longe ouvia uma criança choramingo e a voz de um homem
.
 A certa altura, provavelmente no 12, encontramos três bombeiros subindo pesadamente as escadas. Não senti alívio, sabia que ainda não estava terminado. Passaram por nós dizendo que poderíamos descer com calma pois não havia mais fumaça. Não, não diminuímos o ritmo. Em seguida passamos pelo síndico do prédio subindo como um zumbi. Até que chegamos ao térreo , algumas dezenas de metros depois nos surpreendemos ao ver todos os moradores embaixo olhando para cima, acenando e gritando para que todos descessem.

 Era o alarme de incêndio que doava das bocas de quem havia passado pelo que passamos. Encontramos as pessoas, procurei por conhecidos, pisávamos descalças o asfalto quente . Não encontrei a Adazeli Oliveira que nos salvou. Próximos capítulos à noite, tenho que mexer o doce, o mundo não parou de girar.

.. E para finalizar o relato anterior, eis o que se sucedeu. Leticia reclamava a perda de sua fiel escudeira, como costuma se referir, então sugeri que no sentássemos a lado do portão do prédio para que a Khloe nos encontrasse com facilidade em meio ao tumulto. Minutos depois a brava Khloe chegou, cheirando os diversos pés até que nos reencontrou. Alívio, nossa mini família estava reunida. Letícia não a largou mais. Adazeli Oliveira e sua família foram resgatados muitas horas depois por meio da escada Magirus, sãos e salvos.

 Outras famílias ainda permaneceram aspirando a fumaça tóxica, alguns refugiados no banheiro, varanda, janelas, até serem resgatados, alguns desceram de rapel, magirus, helicóptero. Ontem, diversas pessoas procuravam hospitais, inclusive eu. No PA fui informada que estou com pneumonia. Há quem diga que não, ainda sob investigação. Menos mal. Mas por tudo.... Obrigada Deus pelas vidas preservadas. Obrigada Adazeli por ter dado ouvidos à voz de Deus. Obrigada Leticia por ter confiado cegamente sua vida a mim, por não ter chorado, relutado. Apenas me estendeu sua mãozinha e se deixou guiar.
Obrigada aos valentes homens do Corpo de Bombeiros que deram a vida e saúde para salvar nossas vidas! Obrigada aos AMIGOS de trabalho da Justiça Federal de Mato Grosso Loani Torres,Dovair Carmona Cogo, Julyana, Laura Moraes, MM VCPG, pelo pronto e irrestrito apoio financeiro, emocional, estratégico e logístico.


 ObrigadaJorenice Ribeiro pela carinhosa, pronta, segura e confortável (e sem ônus?????) acolhida. Disso tudo tirei algumas conclusões, as quais enumero aleatoriamente: 1) nunca, jamais, em hipótese alguma, durma com roupa velha por ser confortável !!!!!!! 2) nunca, jamais, reutilize a roupa da última gravidez!!!! 3) durma com os ouvidos abertos e o celular ligado! 4) não compre imóvel da Plaenge confiando na ética, seriedade e profissionalismo da empresa. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento! 4) você só precisa de uma legging preta no seu guarda roupas! 4) devemos repensar nossas prioridades e 5) os empresários não podem continuar buscando lucros à custa de vidas” – Maria Clara Vilela – 17.10.2014